De repente, ele começou a falar aos peixes nos seus tanques iluminados. “Agora, por fim, posso olhá-los em paz, porque já não os como.” Foi quando ele se tornou vegetariano rigoroso. Se nunca ouviram Kafka a dizer coisas deste género com os seus próprios lábios, é difícil imaginar quão simples e facilmente, sem qualquer afetação, sem o mínimo pingo de sentimentalismo – algo que lhe era quase totalmente estranho – ele as pronunciava.
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Cavalos-marinhos, mais do que a maioria dos animais, inspiram estupefação – eles chamam nossa atenção para as assombrosas semelhanças e as diferenças entre cada tipo de criatura e todas as outras. Podem mudar de cor para se mesclar com o ambiente e bater suas nadadeiras dorsais quase tão rapidamente quanto um beija-flor bate suas asas. Devido ao fato de não terem dente ou estômago, a comida passa através deles quase num só instante, o que requer que eles comam o tempo todo. (Daí as adaptações, como olhos que se movem com independência e lhes permitem procurar presas sem mexer a cabeça.) Não são exímios nadadores; podem morrer de exaustão quando pegos mesmo por pequenas correntes, então preferem ancorar-se em algas marinhas ou corais, ou uns aos outros – eles gostam de nadar aos pares, ligados por seus rabos preênseis. Cavalos-marinhos têm rotinas complicadas para fazer a corte e tendem a se acasalar em noites de lua cheia, fazendo sons musicais enquanto isso. Vivem relações monogâmicas duradouras. O que talvez seja mais incomum, contudo, é o fato de ser o macho que carrega os filhotes por seis semanas. O machos ficam “grávidos”, não somente carregando, mas também fertilizando e nutrindo com secreções líquidas os ovos em desenvolvimento. A imagem dos machos dando a luz é sempre assombrosa: um líquido turvo irrompe da bolsa de gestação, e, como num passe de mágica, cavalos-marinhos minúsculos mas formados por completo aparecem de dentro dessa nuvem.
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E sentia vergonha por ser humano: a vergonha em saber que vinte entre o número aproximado de 35 espécies de cavalos-marinhos classificadas no mundo estão ameaçadas de extinção porque são mortas “sem querer” na produção de frutos do mar. A vergonha pela matança indiscriminada, sem nenhuma necessidade nutricional, causa política, ódio irracional ou conflito humano insolúvel. Sentia-me culpado pelas mortes que minha cultura justificava com uma preocupação tão ténue quanto o sabor do atum em lata (os cavalos-marinhos estão entre as mais de cem espécies mortas como “captura acidental” na indústria moderna de atum) ou pelo fato de os camarões constituírem convenientes hors d’oeuvres (a pesca de arrastão do camarão devasta as populações de cavalos-marinhos mais do que qualquer outra atividade).
Jonathan Safran Foer
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