11 January, 2006

Cidade

Aqui sou indiferente. Chove e as pessoas, com um passo acelerado, fogem.
Queria ver um rosto conhecido, queria poder falar com alguém, mas todos olham para o chão. Não deixam aproximar-me delas, sou-lhes transparente.
Arrefeceu, mas parou a chuva. O vento é o único que me toca sem medo. Mas é como qualquer outro fosse, porque também é violento e impessoal. Cospe as folhas para a estrada molhada enquanto continuo a andar.
Refugio-me num velho cinema e procuro um cigarro nos bolsos. Depois de o acender reparo nas pessoas à minha volta, em pé, olhando-me fixamente. Gostei da sensação de me sentir observado, porque nas ruas não sou ninguém, sou apenas mais um, com pressa. Mas ali as pessoas pareciam-me novas e diferentes. Uma mulher chamou-me a atenção. Estava a fumar, e lembrava-me uma professora de dança. Era elegante e muito magra, tinha uma postura perfeita. O penteado e o vestido comprido lembravam os anos vinte. Os lábios vermelhos de batôn iam sujando o cigarro de tempos a tempos, enquanto falava com outras mulheres.
Comprei um bilhete sem saber que filme ia ver. Queria apenas ficar ali a observar aquele grupo diferente de pessoas, que pareciam deslocadas no tempo. Lembravam-me eu mesmo.
Quando a sessão começou quase me arrependi de ali ter entrado. Eu não pertencia ao grupo de intelectuais que gostaria daquele filme. Era monótono e pouco cativante. A meio da sessão, saio para a chuva e para o vento. Sinto-me sozinho novamente.
Anoitecera depressa e havia menos gente nas ruas. Ando, sem parar e sem destino.
Continuo indiferente daqueles que me rodeiam. Famílias, mulheres, sacos, casacos, risos, beijos. Não sou nada disso.
Compro um jornal, mas não tenho vontade de o ler, leio apenas os títulos: demissões de políticos, subidas de preços, crimes, desemprego, querras... Tudo na mesma. Mais um cigarro.
Um imigrante varre as ruas, nem olha para mim quando passo por ele. A solidão pesa-me nos ombros, mas nele a solidão parece tudo.
A cidade embelezara-se, as luzes fortes dos anúncios, o frenesim das cores. Mas as pessoas continuam iguais, só o trânsito cresce, diminui, muda e toma forma, nada mais.
Farto do frio vou para casa, onde não há jantar à espera. Amanhã trabalho.



escrito em Dezembro 2005,
por Mariana Agria